O caos que se estabeleceu na cidade do Rio de Janeiro e a falta de controle dos poderes públicos em garantir a ordem colocam o cidadão antagonicamente à polícia, órgão que deveria garantir proteção civil. Ao mesmo tempo em que se sente abandonada e à mercê da pura sorte de sobreviver a mais um dia, a população se revolta e se indigna, o que acaba por enfraquecer e coagir ainda mais as corporações de segurança pública.
De um lado a população teme pela própria vida e de seus entes, de outro a polícia vive um dilema: o medo de morrer e a tentativa de resgatar o bom nome e de oferecer efetiva segurança. O resultado são atitudes intempestivas, perseguindo ações heróicas que, por falta de preparo, se transforma em tragédia, como as recentes mortes do jovem Daniel Duque e do menino João Roberto.
Estamos passando por uma desorganização psicológica geral. Com a onda de violência instaurada na cidade, o carioca está passando por uma metamorfose: de alegre e amigável está se transformando em um povo assustado, perseguido e agressivo. A polícia está sem treinamento, sem condições de trabalho e, principalmente, sem preparo psicológico para enfrentar o dia a dia da cidade.
A violência carioca é fruto de um conjunto de fatores que vão desde a aguda desigualdade social à presença perversa do narcotráfico e de uma geografia favorável para tal. O Rio de Janeiro é uma cidade cercada de favelas por todos os lados. Mas um fenômeno coletivo de ordem psicológica deve ser observado: há uma crescente tolerância de grande parte da sociedade em relação a certos crimes. A exposição à criminalidade transforma-a em acontecimento rotineiro e passa a ser, de certa forma, aceita.
Mas essa violência urbana – e já estabelecida – traz mais danos do que se imagina. Em junho deste ano, o IBOPE divulgou uma pesquisa feita em São Paulo que revelou que 6% dos paulistanos sofrem algum transtorno mental decorrente da violência. Isso equivale a 650 mil dos 10,8 milhões de moradores da cidade, dentre os quais 15%, ou 90 mil, encontram-se em estado clínico grave.
Grande parte dos pacientes que hoje procuram o serviço de psicologia foi vítima de assaltos e seqüestros relâmpagos, e desenvolve algum transtorno mental decorrente da violência. O estresse pós-traumático geralmente faz com que a pessoa reviva constantemente o que sofreu, que deixe de ir a determinados lugares, e pode gerar problemas como insônia e até síndrome do pânico. A síndrome do pânico que vemos hoje é situacional, e não psicológica.
Desde os primórdios, a exposição humana ao trauma, como guerras, desastres naturais ou violência – assaltos, seqüestros, abusos físico e sexual –, levou o homem a desenvolver conseqüências psicológicas. Mas apenas em 1980, esse distúrbio foi batizado: Transtorno de Estresse Pós-Traumático, ou TEPT, que se caracteriza por decorrer de um acontecimento psicologicamente doloroso, que está fora da faixa habitual de experiência humana.
Estudos indicam que a prevalência de TEPT na população brasileira é de 3,6%e tende a aumentar, uma vez que a violência urbana cresce e qualquer indivíduo pode desenvolvê-la, independente da faixa etária e classe social. A estrutura mental do ser humano tem capacidade para lidar com as situações estressantes. Contudo, existem limites a partir dos quais o funcionamento psíquico fica perturbado. Deveriam existir limites também para tamanha violência urbana.
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